Sob orientação das professoras Marise Guedes e Ivoneide Rosane, alunos da 5ª à 8ª série da Escola Estadual Eduardo Spínola desenvolveram atividades ligadas a vários gêneros literários, com a finalidade de ampliar seus conhecimentos e sua vivência literária. Atrelado a isto, a participação nas Olimpíadas de Língua Portuguesa configurou-se como uma motivação a mais para estes alunos no tocante à escrita de textos literários. Neste sentido, foram selecionados alguns textos de alunos, com destaque para o texto "Memórias da Palestina", escrito pelo aluno Patrick de Oliveira (Foto), que cursa a 7ª série. Confira abaixo, na íntegra:
MEMÓRIAS DA PALESTINA
Nasci na fazenda Viva Deus, no Ribeirão do Batista, que faz parte de Ibicaraí, em 16 de junho de 1939. Em uma família de 14 crianças, eu, Lindinalva Adelina de Oliveira, era a 9ª a nascer viva.
Como minhas irmãs mais velhas já haviam casado, eu tinha que cuidar dos meus irmãos e da casa: lavar e passar roupa, dar banho aos mais novos, fazer comida para todos, irrigar as plantas. Ia com o meu pai, Paulo Policarpo, para plantar na nossa fazenda, colher, fazer farinha, beiju, licor, bolo, vender leite; e tudo isso depois da escola. Mas só ia a escola quando meu pai pagava a professora para morar na fazenda!
De todos os irmãos, a que eu menos me dava bem era Alice, pois ela mentia e dedurava os outros irmãos. Por ser mais velha, meus pais acreditavam nela e ela usava suas artimanhas para nos enganar. Naquela época, aceitar cana descascada de um homem era tão feio quanto mostrar os órgãos sexuais. Minha irmã Alice disse: “- Come, come Nalvinha”. Comi! Ao chegar em casa, ela me dedurou e, minha mãe, Francisca Adelina, me deu uma das maiores surras de minha vida.
Quando vinha para a Palestina (Ibicaraí), me admirava com os poucos carros e carroças passando por ruas estreitas entre pés enormes de cacau, em ruas de chão batido.
Propriedades enormes, com vários hectares de pés de cacau muito frutíferos pertenciam a vários barões de cacau; dentre eles, o meu pai.
Ah! Como gostava de vir para a Palestina, para as festas juninas. Ah, como gostava de fogueiras, balões, bandeirolas, amendoim, milho, pipoca, aipim. Gostava do dia de Reis de Cosme e Damião, de receber balas e doces.
Eu e meus irmãos gostávamos de adentrar entre as árvores e os nossos pais deixavam chuparmos cacau, mas tínhamos que deixar a semente num determinado lugar, para o nosso pai vender para fazer chocolate.
Ah! Como era bom ser criança: tínhamos obrigações, mas era tão bom brincar.
Ah! Como eu desejava me casar. Como seria? Com quem seria? Onde seria? Como seria depois do casório?
O grande casório aconteceu em 25 de dezembro de 1966, com o meu primo de segundo grau José Feliciano, na Igreja Senhor Deus Menino, em uma noite de verão, às 6 e 20. Foi uma festa maravilhosa que durou uns dois dias. Meu pai matou gados e alguns porcos e foi a melhor festa que já vi. De repente, uma dor no peito, uma agonia profunda. Lembrei-me de minha mãe, falecida em 1956, dez anos antes do meu casamento.
Em 1967, ocorreu a maior enchente de Ibicaraí. Muitos morreram naquele dia, muitos perderam tudo; arrasaram-se os pés de cacau, foi um desastre. Porém, um milagre ocorreu: estava dando à luz nas águas, em cima de uma canoa em cerca muito alta à primogênita: Luciene.
Em 1970 Luciane nasceu, mas com duas semanas veio a falecer.
Em 1971, em Ibicaraí, na praça da Igreja, nasceu Joelma. O meu filho Jocelmo nasceu no ano seguinte. Perdi o meu segundo filho em uma brincadeira de Jocelmo e Joelma. Em 1974, meu dengo nasceu: Luzinete, o meu orgulho e paixão da minha vida. Em 1980, o meu terceiro filho morreu e daí em diante não tive mais filhos.
Morei na Rua Paraguaçu. Anos depois, fui morar na Rua Carlos Gomes, mais conhecida como Rua de Areia, onde as pessoas são muito fofoqueiras e encrenqueiras. Miriam, uma vizinha, teve várias inimizades no decorrer do tempo. Ela se juntou com uma sobrinha minha que não gostava de mim, pois queria ficar com os terrenos, gado e cavalos que meu pai deixou para os filhos. Nem o seu pai, meu irmão, confiava nela. Era falsa, dissimulada e, às vezes, um pouco louca. Uma vez, ela disse que eu tinha roubado alguma coisa e pagou aos vizinhos uma quantia para deporem contra mim no fórum de Ibicaraí. Depois que o pai dela morreu, começou a cuidar de outro irmão meu, Izautino, que é louco, mas só por interesse.
Mais ou menos em 1990, a vassoura-de-bruxa atacou os pés de cacau. A praga acabou com os pés de cacau que meu pai deixou para os filhos. Pessoas se mataram por toda a cidade de Ibicaraí. Muitos barões podres de ricos ficaram com quase nada; pessoas enlouqueceram, muitas foram embora daqui da cidade.
Agora meus pais morreram, muitos irmãos também. Meu marido veio a óbito. Filhos e netos também. Mas não me mudo daqui: Palestina, Ibicaraí - minha terra santa!
Patrick de Oliveira Souza – aluno da 7ª série da Escola Estadual Eduardo Spínola – Ibicaraí/BA. Professora Marise Rodrigues Guedes, Língua Portuguesa.